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sábado, 30 de abril de 2011

LÍNGUAS DE BADALO - LÊDA SELMA - DOMINGO, 1º/5/11 - DIÁRIO DA MANHA

Uma noite de calor molhado e carente de abano de vento. Sem lenha e sem fogueira, mas com assuntos afogueados e muita lenha na malícia. A lua magrinha, branco diadema fincado nas madeixas estelares do céu e o tradicional cafezinho do coronel, “fresco e mais pra amargo”.
A conversa, como de hábito, sem cós nem barra. Ora desleixada, ora descontraída, porém, com a costumeira marca: sujeito indeterminado, um jeito de camuflar a identidade do fofoqueiro.
Ninguém escapava da berlinda. E, tampouco, aventurava-se a, sequer, uma retirada rápida, para acalmar as súplicas das necessidades mais íntimas, naturais e intransferíveis. Puro medo de ser o próximo candidato a frangalho naquelas bocas debochadas e sem tramela.
– Eu, hem, não saio e é nem! Prefiro, mesmo à força, recolher minhas precisões aos seus respectivos aposentos, e pedir-lhes um pouco de paciência, a virar bobó de disse que disse ou isca de fuxico – avisava o compadre Precavino, entremeando muxoxos desengonçados e estalos desagradáveis de dedos, enquanto olhava de esgueira para um certo vizinho, homem mexeriqueiro e eterno gozador.
E, de “dizem” em “dizem”, quase sempre, as palavras afiadas dos enxeridos e zombeteiros chegavam rápido à mulher do prefeito, Madalena das Graças, que, à revelia de seu conhecimento, incorporava-se à noite:
– Me lembrei de uma história malaguetada...
– De dona Madalena, por certo.
– Como sou novo no território, desconheço...
– Então, ouça. Um moleque nativo endiabrado que só, certa vez, roubou, dizem, o vinho do padre e embebedou a primeira-dama, que esperava o vigário para se livrar de um pacotão de pecados...
– Segundo as línguas de badalo, ele engarrafou uma pobre alma desgarrada, em forma de sapo...
– Oxe! Que seja! Pois bem, o tal encapetado ludibriou a madame, com o vinho roubado, entrou no confessionário, e se fez passar pelo confessor.
– E...
– Ouviu todos os pecados capitais, municipais, cabeludos, carecas, emperucados... da mulher, ou melhor, da dama, ou mais exatamente, da mulher-dama.
– Os pecados da mulher do prefeito, dona Madalena?!
– Dizem e redizem. Alguns até desdizem, mas o fato já criou raiz e ganhou frutos...
– Pena que os pecados foram também engarrafados pelo endemoniado moleque, pois nunca se conheceram os bandidos.
– Nunca?! Quem lhe disse? Estou calvo de saber. Ah! um deles, que senhor pecadão! Avaliem: pensando tratar-se do padre – alvo do seu encasquetado e diuturno desejo –, a pecadora confessou-lhe toda a sua paixão, recheada de vontades e volúpias, ao tempo em que lhe fazia propostas serelepes e exuberantes. Chegou a prometer-lhe interceder, junto ao marido-cabrão-prefeito (legítimo três em um), a favor de uma geral e irrestrita reforma na igreja. Tudo em troca de certas benesses do amor...
– Virgem Santa, danou-se! Dizem, mulher de padre vira mula-sem-cabeça!
– Então, era o endemoniado moleque e não, o vigário?!
– Se era... E mal o falso assediado, digo, o moleque, travestido de padre, bateu um cílio no outro, a leviana materializou seu arsenal bélico, não, não, belo, ou seja, de ataque: dois vistosos e empinados argumentos pularam da blusa desabotoada, e, bem à vontade, ficaram ali, a fitá-lo, intimidativos, convidativos, incitantes...
– Vixe, o garoto viu tudo pelos buraquinhos do confessionário!
– E o farsante aceitou os vistosos, quero dizer, os empinados... bem, os argumentos íntimos da mulher?!
– O susto foi tão grande que o moleque, em pânico, saiu em disparada, aos gritos: “Socorro! O demônio tá solto! Eu vi, ao vivo, juro!, uma mula-sem-cabeça tarada, pelada, bêbada e, ainda por cima, com duas desinibições roliças, brancas e enormes apontadas pra mim, isto é, pro padre, ou melhor, pra nós dois. Agora, sim, tô perdido, vou me esturricar nos quintos, socorro!
– É, pelo visto, o vinho saiu pela culatra...

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