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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

DOSE DUPLA?!


LÊDA SELMA

Um senhor de idade entrou aflito no Pronto Socorro, com uma moça de uns trinta e cinco anos a tiracolo.
– O problema, doutor, é sério. Dá pena ver essa bichinha sofrer tanto! Uma dor sem misericórdia. Ela tá num padecimento que só.
O médico quis saber da moça que problema tanto a afligia. Mas ela, encolhida nas próprias certezas, olhos assustados e mãos transpirando medo, parecia nada ouvir. Então, o pai, com ares de porta-voz:
– Pedra no rim, doutor, eu acho. Daquelas malvadas; uma bichona das maiores. Veja que judiação: minha filha toda inchada e sem dormir o sono dos anjos, desde ontem. Espie os olhinhos dela, murchinhos. E o descoramento? Parece até que o sangue esbranquiçou e sumiu. Ela desmerece essa consumição. É boa demais a bichinha. Moça recatada, trabalhadeira. Não tem tempo pra si, não tem vaidade nem quentura de moça passada.
– Descaramento, digo, descoramento... Está bem, vamos dar uma examinada nesses rins.
Já vaticinando o diagnóstico, o médico encaminhou-se com a paciente para uma saleta ao lado do ambulatório. Demora vai, demora vem, terminada a tarefa, e antes mesmo de chegar ao consultório...
– E então, doutor, vai pedir uma chapa ou já vai passar o medicamento pra coitadinha se aliviar? Diga-me, por Deus, que não é nada grave. A pedra saiu?
– Grave...? Não, grávida! Da pedra, não dou notícia. O que saiu foi um cálculo renal macho, de uns três quilos mais ou menos, com pulmões bem ativos e reflexos perfeitos...
– Peraí, doutor. Num tô entendendo essa embromação. Minha menina expulsou ou não a pedra? — interrompeu, abobalhado, o velho.
– Pedra... pedra... não. Digamos que ela expulsou o Pedro, um menino de saco rox... epa, melhor, preto! Essa outra já deu muito o que falar...
Realmente, um alvoroço no Pronto Socorro, naquela noite. Desmaios histéricos, contusões conjugais, coma alcoólico... E, de repente, uma senhora gorda, crente fanática, puxando a filha pelo braço, iniciou a consulta como se fosse a paciente:
– Essa menina, doutor, tá muito doente. Acho que é problema de estômago, por causa da vomitação que não acaba mais e do fastio, sabe?
– “Que brincadeira é essa, Nossa Senhora do bom parto?! De novo, não!” – pensou o médico.
Exame concluído, diagnóstico rejeitado pela mãe:
– O senhor não sabe o que diz, doutor. Essa menina não conhece o bicho-mau. Nem poderia: nunca viu ao vivo nem nas fotos as intimidades de um homem. Nesses trinta anos, não se despurificou; temente a Deus, nunca se acalorou com a fome dos sentidos. Safadeza é coisa de moça mundana, sem crença. E intimidade com as intimidades de homem, só depois do casamento. Gravidez é coisa de mulher bulida, doutor. Só se o Espírito Santo despencou das alturas prum plantãozinho rápido, só se foi.
Conversa vai, conversa vem, um argumento aqui, um contra-argumento ali, uma hipótese alhures e um lance providencial de memória escapa da desbulida balzaca:
– Jesus, socorro! Me lembrei do sucedido! Foi no vaso do banheiro da igreja, mãe. Que fatal azar! Senti necessidade de me desapertar, e necessidade daquela natureza não aceita cabresto. Meu Senhor Jesus, moça virgem não pode mesmo titubear: sentou em vaso suspeito, o malfeito, ó, dá o bote...! Coisa do azucrim...
– Não lhe disse, doutor?! Tá explicado. Foi isso: o vaso, aquele maldito, o culpado! Donzela bobeou, o diabo força passagem. A pobrezinha, pra vencer a precisão de aliviar a bexiga ou um outro vizinho próximo, usou o maldito, o vaso; e lá estava a maldição escapulida de algum amaldiçoado.
Com um ar sério, apesar do tom debochado, o doutor apresenta sua versão:
– Acho que para sossegar outra necessidade, que não aceita rédeas até por força da natureza... essa moça inocente, por descuido, sentou-se justo no maldito (que não era o vaso, claro! – disse de si para si). Só que, no maldito, estava o tal, o amaldiçoado. E foi aí que aconteceu a maldição: a “pobrezinha” conheceu o bicho-mau. E o resultado está aí na cara, isto é, na barriga.

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