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segunda-feira, 5 de julho de 2010

ALGUÉM ACREDITA?

Lêda Selma


Sair pela casa procurando os óculos e se deparar com os tais justo no lugar devido – em frente aos necessitados, isto é, os olhos –, já virou folclore familiar. Sumir as chaves do carro e encontrá-las dentro do copo de uísque, também é pilhéria doméstica. Mas...
– Querido, vou chamar o encanador para consertar o lavatório do banheiro. Espere aí, chamar o encan..., mas como, se nem sei o nome dele, o telefone ou o endereço...?
Resolvido tamanho problema (pelo marido, claro!), a mulher recebe, com exagerada simpatia, o bendito encanador. E um truncado diálogo trava-se entre os dois:
– A pia foi um pouco judiada, né?
– Coitada!, foi mesmo. Parece que até o nome da pobre é um carma. E o senhor acredita que não há quem faça a infeliz fugir do judiador? De tão conformada, já merece até um cantinho nas alturas, quando espetar a alma no mastro...
– O que a senhora tá dizendo, dona? Quem vai espetar...
– Quando espetar, quando. E que não seja por agora, bem entendido. E como assim, quem? Não é dela que estamos falando? A comadre Pia, ora! Nossa amiga comum. E voltando ao graveto, se Deus interferir, ele ainda vai esperar muito por essa piedosa alma...
– Não conheço nenhuma Pia a não ser de cozinha e de banheiro. Mas, deixa pra lá. O serviço tá pronto. Coisiquinha de nada, entupimento farjuto. Um pouquinho de cuidado, e mais nada, resolve o problema.
– Desmazelo, o senhor acha. E pode ser mesmo. Minha serviçal nem sempre me presta bons serviços. Mas como não vivo sem ela, melhor entupida, não, não, melhor mal-acompanhada do que só, concorda?
– Se a dona acha, quem sou eu pra desachar, né não? Bem, se precisar de novo...
– E o senhor tem alguma dúvida? Logo, logo, chamo sua presteza novamente.
– Está certo. Mas, desde que não seja de noite, porque neste período trabalho como chofer de praça.
– Chofer de praça...?! E praça tem chofer...?! Aliás, chofer... que novidade é essa?
– Novidade? Acho que tô é ultrapassado! Eu quis dizer motorista de taxi. Bem, bem, o tempo nunca espera pelo atrasado. Se precisar, é só chamar, bom-dia!
– E queira Deus que o problema, da próxima vez, não seja até maior, bem maior, porque minha serviçal se supera a cada desmazelo. Aliás, nunca vi alguém desmantelar tanto assim as coisas. É estabanada mesmo, de dar dó. Mas, e quanto lhe devo?
– Ah, não vou lhe cobrar por um servicinho à-toa desse. Dá só um cafezinho.
– Só um cafezinho? Só mesmo? Se o senhor insiste...
Com a solicitude e a gratidão saltitantes, a mulher, rapidamente, vai à cozinha. Atabalhoada, derruba algo aqui, mais um ali e, finalmente, dirige-se à sala, com a exagerada simpatia inicial, rebocando uma pequena bandeja:
– Pronto. Eis aqui o seu cafezinho. E, se mudar de idéia, ainda está em tempo de dar a ele a companhia de uns biscoitinhos deliciosos, produção caseira da semibendita serviçal.
– Cafezinho...?! Agradecido. Não tomo café, por causa da gastrite...
– Como não toma café se foi o senhor próprio quem pediu?
– Ih, a madame não me entendeu! Eu quis dizer uma gorjeta, um trocado. Cafezinho é só um modo de falar.

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